7º Mar: Lidando com a mudança de paradigma

Quando comecei a ler e jogar a segunda edição de 7º Mar a minha bagagem de sistemas, que na maioria das vezes me ajudou a entender a lógica de novos jogos, nesse caso acabou se virando contra mim, acabei assumindo e interpretando uma série de coisas sobre o sistema de forma equivocada pois encarei o sistema com a mesma ótica dos jogos que estava habituado.

Ao ler o livro básico fiquei encantado pelo cenário, com a forma que construir a ficha do personagem me levava a construir a história dele e tantas outras coisas. Porém, não me atentei para as diferenças na lógica do sistema e até me fazer consciente dessas mudança de paradigma, sinto que estive perdendo parte do potencial do sistema.


Agir e então rolar x Rolar e então agir

A grande parte dos jogos que tive contato antes de jogar 7º Mar, quase tudo mainstream, funcionam de um modo que você primeiro deve declarar uma ação pretendida e após isso através da rolagem de dados (ou do uso de qualquer ferramenta para trabalhar probabilidade) determinar se e como a personagem executou a ação.

Em jogos D20 por exemplo, é normal que você declare a ação e então role um dado de vinte faces, adicione modificadores e use o resultado final para comparar com um valor pré-determinado — as vezes representando a defesa de uma antagonista, em outras simbolizado a dificuldade de realizar uma tarefa.

Já nos jogos PBTA (Power by the Apocalypse) é comum que você declare uma ação, escolha qual Movimento melhor define essa ação e aí você rola 2 dados de seis faces, adiciona modificadores e então olha como o Movimento se comporta com o resultado obtido — normalmente um resultado menor que 6 se traduz em uma falha, 7 e 9 simboliza um sucesso com algum tipo de consequência para sua personagem, enquanto os resultados maiores ou iguais a 10 simbolizam uma ação feita com maestria. Em ambos os casos a lógica é similar: Você declara a ação e então rola.

Não é incomum que nesses casos a pessoa no papel de narradora atue quase como uma cartomante que olha para as cartas de tarot e interpreta o que aquilo significa, nesse caso a pessoa que narra tende a olhar para o resultado e interpretar como aquilo se desenrola na narrativa ficcional, ainda mais quando esse resultado simboliza uma falha.

Já a 2ª edição de 7º Mar ao invés do “agir e então rolar” fez uso do paradigma de “rolar e então agir” o que, num primeiro momento não signifique muita coisa, mas na verdade muda completamente a forma que as dinâmicas de jogo funcionam e onde estão os desafios.

Em 7º Mar diante de uma situação e contexto específico (o que no jogo costuma constituir uma Cena) as pessoas no papel de heroínas devem definir qual será a abordagem das suas personagens naquela situação, não é sobre uma ação específica, mas uma linha de ação — talvez você escolha evitar chamar atenção, talvez seu foco seja quebrar e causar um fuzue, ou então se atentar para os detalhes do ambiente. Essa abordagem irá definir o Método da personagem, que é uma combinação entre Atributo e Perícia que melhor traduzem a abordagem escolhida. O Método, somado a outros poderes e habilidades, irá definir a quantidade de dados de 10 faces que você vai poder rolar. Essa rolagem no entanto não será feita para saber se você teve sucesso em uma ação ou não, até porque nenhuma ação foi declarada, mas servirá para formar grupos de dados que resultem em um valor maior ou igual a 10, formando o que o jogo chama de Aposta. Estas Apostas serão seu combustível narrativo, elas representam o tanto que você poderá manipular e controlar a narrativa na cena que irá começar.

Reprodução: John Wick Presents / 7th Sea

Assumindo o controle

Para mim foi importante me fazer consciente do impacto dessa mudança, algo que não me dei conta de imediato. Em 7º Mar você não está rolando dados para saber se você falhou ou obteve sucesso em uma determinada ação, mas para saber quantas vezes você vai poder interferir e realizar ações naquela situação/cena. As Apostas vão dizer quantas vezes você pode assumir o controle da narrativa para definir o que sua personagem faz e como ela vai alterar a Cena.

Quando você gastar suas apostas você vai “controlar” a narrativa dentro das limitações da ficção, do seu método e das habilidades da sua heroína. Não serão os dados que vão dizer como e o quão bem você fez uma ação, também não compete a pessoa narrando interpretar isso. Gastar uma aposta é assumir o controle da narrativa e dizer como sua heroína agiu e triunfou, você define se acha mais interessante conseguir saltar entre dois navios por um triz ou talvez executar um duplo twist carpado. As apostas e a personagem são suas, assim como a escolha de como as coisas irão acontecer.

Então sim, você gasta uma aposta e faz o que queria fazer, não precisa confirmar, não precisa fazer um teste, o que costuma a trazer o seguinte questionamento: “se toda as ações que realizo são um sucesso, então não existe dificuldade!”

E é aqui que entra outra questão sobre essa tal “mudança de paradigma” que comentei. A afirmação acima será válida se o grupo e, principalmente, a pessoa narrando manter a mesma lógica dos sistemas onde você vai “agir e então rolar”. Na lógica de jogo de 7º Mar onde você deve “rolar e então agir” a noção de sucesso e fracasso deixa de ser relevante, a questão se torna onde escolher ter sucesso e quais oportunidades vou deixar passar.

O mal menor

Tanto nos livros do Geralt de Rivia, na série e no jogo The Witcher 3, o Geralt se encontra em situações em que ele não é capaz de fazer tudo, existe mais coisas acontecendo do que ele é capaz de lidar, por isso o Bruxeiro tem que fazer a escolha de combater o que considera o mal maior e lidar com as consequências do mal menor.

Geratl e Renfri. Nem sempre é fácil definir qual é o mal menor. Reprodução: Netflix

7º Mar foi feito para esse tipo de situação e dilema. As Apostas são recursos que se tem para mudar a história, mas é um recurso finito, cabe a quem interpreta as heroínas escolher onde ter sucesso e o que vai deixar passar. Devo gastar minha última aposta para salvar o mapa do tesouro ou para impedir que o Vilão fuja? Gasto minhas apostas para escapar de um golpe, ou me machuco enquanto reservo minhas energias em contra atacar? Apesar desse tipo de dilema não ser exclusivo de jogos com esse paradigma, em 7º Mar não ter isso em mente pode acabar deixando o jogo com pouco ou quase nenhum desafio.

Inclusive, são essas escolhas que de certo modo vão guiar a direção da narrativa, deixar o vilão escapar vai resultar em uma nova cena para ir atrás dele, talvez nesse meio tempo ele faça mais estragos ou aproveite para aumentar seus recursos, contudo priorizar o vilão e não o mapa do tesouro pode colocar um fim no arco daquele vilão, enquanto o grupo vai continuar na busca de recursos. Ter que escolher caminhos aumenta as possibilidades dentro do jogo e torna a história surpreendente e imprevisível para todas as pessoas participando, não só para quem interpreta as heroínas.

No reddit de 7º Mar uma pessoa chegou a comentar que 7º Mar era “um jogo sobre ter que fazer escolhas entre muitas coisas, sem Apostas suficientes e, geralmente, sob pressão de tempo“. Nessa ocasião o responsável pelo design das regras, Mike Curry, respondeu concordado com a afirmação e acrescentou:

“Não é uma questão de você poder ou não fazer algo. É a decisão de se essa é ou não a coisa certa a se fazer naquele momento, quais são suas outras opções, e quais as repercussões que suas decisões tem no mundo a sua volta.”

Assim como as protagonistas não precisam ter medo de exagerar, quem narra 7º Mar não precisa se limitar a colocar desafios suficientes para que as Heroínas consigam controlar totalmente, o que é uma preocupação válida em muitos sistemas.

As cenas em 7º Mar tendem a ser excessivas, mais perigos e oportunidades que as personagens conseguem pegar. A ideia é que as cenas sejam desafiadoras e intensas, dando pouca margem para ser cauteloso… afinal quando as heroínas agirem será para triunfar!

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